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Marketing 3.0 ou Platão 3.0? Por que a Comunicação precisa de mais Sabedoria

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Outro dia estava relendo o livro recente de Philip Kotler, no qual ele e os co-autores cunharam o termo “Marketing 3.0”. Lembrando o conceito, Kotler fala que o Marketing 1.0 foi a era dos produtos, cujo objetivo era padronizar e servir ao mercado de massa, ganhando em escala. O Modelo da Ford foi um grande ícone dessa era. O Marketing 2.0 surgiu com o advento da tecnologia e informação, e o foco centrado no cliente. O termo “mercado alvo” ganhou importância fundamental, e o “posicionamento” virou a palavra da moda. Estaríamos, segundo os autores, testemunhando o surgimento do Marketing 3.0, uma era voltada para os valores, em que os seres humanos são tratados como pessoas integrais e plenas, com mente, coração e espírito. Nessa era o enfoque deve buscar o bem estar e a felicidade dos indivíduos, o bem coletivo, a sustentabilidade da sociedade e do planeta. Para Kotler e seus colegas, inauguramos a era do marketing do espírito humano.

Essa releitura fez-me lembrar da minha reação ao livro, que tinha sido curiosamente paradoxal e aparentemente contraditória, e como não a tinha registrado, resolvi compartilhar neste artigo. 

Na época da minha primeira leitura reagi ao livro com alegria e preocupação ao mesmo tempo. Alegria porque finalmente o Marketing parecia entender que existe algo além de maximizar vendas como uma atividade “per se”. Depois de anos falando somente de produtos, imagem, mercado alvo, baixo custo, margem, “4 Ps”, “4Cs” etc, o Marketing finalmente se rendia a questões mais abstratas, intangíveis e perenes, da existência humana.  Já a minha preocupação surgiu por conta de visualizar a possibilidade de esse termo ser mais uma moda de tantas que o Marketing buscou criar. Como sempre gostaram de fazer, os marqueteiros pareciam trazer mais uma tendência, batizando-a com um termo novo, categorizando algo tão nobre e universal de uma maneira aparentemente reducionista e, o mais perigoso, com um enfoque possivelmente instrumental. Será que o Marketing estaria falando do espírito porque descobrira que essa é uma tendência inevitável, e que precisaria surfar essa onda para continuar servindo sua missão de maximizar vendas? Eu não tinha e não tenho essa resposta, mas a preocupação permanece.

Os gregos foram precursores, ao menos na cultura ocidental, a sistematizar a ideia de que existe algo além da matéria, algo eterno e duradouro. Sócrates dedicou sua vida a essa causa, e Platão registrou sua sabedoria desenvolvendo a Teoria das Ideias, e trazendo a metafísica para o debate filosófico. Aristóteles escreveu e ensinou sobre a Alma, como a essência imaterial de tudo o que é vivo, e também enriqueceu sua filosofia com a ideia da felicidade e plenitude como um fim (“telos”) de todo ser humano. A felicidade como aspiração ultima do ser humano, o bem comum como objetivo coletivo prioritário, são ideias tão antigas quanto os filósofos gregos.  E agora o Marketing parece atribuir para si uma ideia “inovadora” que traz uma visão mais espiritual e integral como a essência da sua prática. Me pergunto por que os autores e profissionais de Marketing não leram Platão antes. Por que demoraram tanto a ter esse insight e trazê-los ao seu universo?

E aqui está, a meu ver, o grande desafio do Marketing, da Comunicação Empresarial, e das organizações em geral. É fundamental acessar a filosofia perene, a sabedoria – que é universal e atemporal – como fonte das teorias e práticas organizacionais. Quando começarmos a fazer isso como impulso natural, impregnando nossas vidas e estruturas a partir do que é mais elevado e sublime, não precisaremos cunhar termos aparentemente inovadores, para tratar de temas milenares como se fossem a ultima novidade. 

Se estivéssemos conectados a essa sabedoria milenar, já teríamos entendido há muito tempo que a economia deve estar ao serviço da humanidade, e não o contrario. Já teríamos percebido que o ser humano tem aspirações superiores que vão além de simplesmente consumir e acumular. Já teríamos concluído que as organizações, mais que entidades que geram e comercializam produtos ou oferecem serviços, deveriam ser organismos vivos ao serviço da sociedade, do bem comum e do planeta.   

Se a Comunicação e o Marketing não derem esse salto quântico, que é transformação essencial de mentalidade (e não periférica ou superficial), correm o risco de continuarem reféns de modismos e categorias tipo 1.0, 2.0 etc. Seguindo ou impondo tendências, podem continuar servindo à produção, ao mercado e ao consumo como fins em si mesmo, tratando o que é essencial no ser humano e na sociedade como simples instrumentos para garantir os resultados que sempre acariciaram.  Este é o grande desafio de metamorfose que o mundo da Comunicação tem pela frente. 

Tenho a firme esperança que o momento de uma verdadeira transformação está surgindo gradualmente. Meu sonho e desejo é que as empresas se sensibilizem cada vez mais para o fato de que o enfoque metafísico e humanístico não é nem pode ser instrumental, mas deve ser o grande motor da produção e da economia. E a Comunicação, nesse sentido, deve ser a principal propulsora de uma mentalidade mais humana, mais sábia, que busca potencializar organizações e marcas a partir de suas almas e valores, a partir da sabedoria que busca o bem comum e a perenidade. 

E falando da minha esperança, devo agradecer ao Kotler por ter trazido esse tema para o debate em torno ao Marketing. Apesar do atraso, ainda estamos a tempo de transformar nosso Mundo – através da Comunicação – num universo mais humano, menos instrumental, e mais sábio. 

As futuras gerações agradecem…

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