Em busca do sentido perdido
“Eu conheço um planeta onde há um sujeito vermelho, quase roxo. Nunca cheirou uma flor. Nunca olhou uma estrela. Nunca amou ninguém. Nunca fez outra coisa senão somas. E o dia todo repete como tu “Eu sou um homem sério! Eu sou um homem sério!”, e isso o faz inchar-se de orgulho. Mas ele não é um homem, é um cogumelo.”
Esse não é simplesmente um parágrafo de uma das obras literárias mais importantes da história – O Pequeno Príncipe – mas uma profecia que se confirma e se materializa cada vez mais na atualidade. Esse planeta poderia muito bem chamar-se Terra, e esse sujeito quase roxo, José, João, Márcia, Roberta, cada um dos milhões de seres que dedicamos tanto tempo a somar, a inchar-nos de orgulho fazendo “coisas sérias”, esquecendo de olhar uma estrela, de amar alguém…
Nos dias atuais enfrentamos uma trágica realidade: a falta de sentido nas coisas que fazemos, a prisão de ter que repetir ações mecânicas, sem usufruir o prazer de transcender em cada uma delas. Essa falta de sentido é também herança de uma mentalidade positivista, que baniu da existência humana qualquer sentido metafísico, espiritual, universal, para concentrar-se somente nos números, no empírico, na experiência “científica”, numa aventura que levaria o homem a “conquistar” seu universo.
Tal pretensão, fortalecida a partir do racionalismo, dominou quase todas as esferas das sociedades ocidentais, numa busca obsessiva por controlar, dominar, manipular toda a existência por meio da razão e da “técnica”, mentalidade que prevaleceu também no mundo empresarial. Com o início da revolução industrial e a concentração na produção, a lógica predominante era a visão racional-econômica, que concebia a organização como um mero ente produtivo cuja missão essencial era obter os melhores resultados com os menores custos.
Esse enfoque faz tudo girar em torno dos resultados, para o bem da “empresa”, que passa a ser uma abstração quase sagrada, à qual todos devem acomodar-se e servir. Nesse âmbito auto-suficiente e cientificamente “eficiente”, o ser humano é visto como parte de uma engrenagem que deve gerar sempre a melhor produção possível; ele existe e tem sentido somente na medida em que é um instrumento para melhorar os “resultados” da empresa.
Seria bom se esta descrição fosse simplesmente uma referência a um período histórico que já passou. Mas, em pleno século XXI, esse cenário ainda resiste a desaparecer de nossa história. Muitas empresas insistem em herdar o pensamento racional-econômico, centralizando-se nos resultados e submetendo as pessoas a essa obsessão que termina por transformar-se em um fim absoluto. Mas o paradoxal dessa mentalidade é que o campo “sagrado” dos resultados, que é o grande objetivo de toda empresa, termina sendo prejudicado precisamente por essa atitude que submete as pessoas às metas de produção e de lucro.
Tal paradoxo ocorre porque o ser humano é um ser em busca de sentido, de transcendência; quer dar significado a todas as coisas que faz, sobretudo ao seu trabalho que, como parte de sua humanidade, é virtude, vocação, e por isso mesmo nunca deveria ser um fardo. A mentalidade economicista na empresa aliena o homem, fazendo-o escravo de uma produção que não possui, precisamente por pertencer aos “donos”, aos “proprietários” da organização. Sem encontrar sentido no trabalho que exerce, o ser humano perde toda e qualquer motivação e seu agir profissional passa a ser necessidade de sobrevivência, conduta que termina por limitar os resultados de seu desempenho a níveis mínimos.
O renascer do humanismo nas empresas
Felizmente, em meio a essa visão pragmática e utilitarista do que deve ser a empresa – que ainda prevalece – observamos um fenômeno de humanização cada vez maior no âmbito organizacional. Ao longo das últimas décadas, vários autores têm se referido a tal fenômeno como fator central e vital para o desenvolvimento das mesmas: desde o grande mentor (que já nos deixou) Peter Druker, passando por feras como Edgar Schein, Jim Collins, Fredy Kofman, Peter Senge, Otto Scharmer, Daniel Goleman, entre tantos outros.
A proliferação da Inovação Social como um fator essencial e presente na estratégia e governança da organização, é outra manifestação deste (ainda lento) despertar humanista que estamos observando no universo empresarial. A organização passa a ser muito mais que um mero ente produtor, convertendo-se em entidade co-responsável pela construção de uma sociedade melhor, missão que abrange clientes, meio ambiente, colaboradores e funcionários, acionistas, enfim, todas as realidades e ambientes que interagem com ela.
Esse novo impulso humanízador concebe a empresa como um espaço significativo no qual cada pessoa passa a ser um elemento chave para a realização do projeto e da missão da organização. A identidade corporativa se funde com os valores e aspirações de cada colaborador, que se torna sócio, realizador do empreendimento comum que a organização põe em marcha. Nessa visão, o fator “resultado” deixa de ser um fim em si mesmo, para tornar-se fruto de uma motivação que se materializa no trabalho. É precisamente este sentido recuperado no ambiente profissional que, levando ao compromisso e à atitude, tem como conseqüência natural a conquista dos melhores resultados.
A empresa como um totus significativo
A organização que se atreve a ser autenticamente humana funciona, em palavras de Peter Druker, como uma comunidade consciente, um organismo vivo onde tudo comunica, porque tudo é significativo, tudo é parte de seu projeto comum e missão global. É nesse sentido que a empresa, em seu exercício de consciência, promove uma mudança de paradigma quanto à comunicação. Se a mentalidade cartesiana e racionalista vê a comunicação empresarial como produção de uma coleção de mídias, de boletins informativos jornais murais, TVs corporativas – tarefa vista como específica do “departamento de comunicação”-, a concepção humanista define a organização como uma entidade viva e dinâmica que se comunica constantemente, em cada uma de suas ações e realidades. A arquitetura dos edifícios e salas, as cores, o material corporativo e promocional, a gestão, as ações e conversas dos funcionários – que passam a ser os “publicitários vivos” da marca – são elementos comunicadores da essência da empresa.
Esse universo comunicacional forma o que alguns autores chamam de ecossistema comunicativo, um cosmos organizacional no qual as diversas partes interagem em um processo sinérgico e construtivo que tem uma orientação comum. Nesse ecossistema, o conjunto é mais que a soma das partes, e o organismo – mais que uma coleção de elementos independentes – se desenvolve como um sistema de relações ricas e significativas. Nesse contexto do “tudo comunica” qualquer divisão ou fragmentação da comunicação em ações isoladas e pontuais que não estejam encarnadas na identidade, na cultura e na vida da empresa, passa a ser uma ação pobre e reducionista. A própria divisão entre “interna” e “externa”, usada para a comunicação empresarial, perde sentido nessa concepção integradora e global de uma comunidade consciente na qual tudo comunica.
O universo desse totus significativo implica, por outro lado, uma comunicação que é muito mais que uma mera transmissão unilateral ou vertical de dados e informações. A palavra “comunicar” vem do latim “communicare” que tem um sentido de “movimentar juntos” e tem a mesma raiz da palavra latina “communio”, que significa comunhão. A comunicação verdadeira e autêntica deve estar, portanto, necessariamente comprometida com o ser humano e com seu enriquecimento. “Comunicar”, visto por este ângulo, é levar a pessoa ao âmbito do sentido, num universo comum no qual se compartilham realidades significativas.
A Educomunicação empresarial: formando ecossistemas comunicativos
Essa conexão entre o “comunicar” e o sentido leva ao produtivo encontro entre a Comunicação e a Educação, num propósito comum de enriquecer e aperfeiçoar o ser humano e seus âmbitos sociais. O ato comunicativo deve pressupor um compromisso ético, “educativo”, com a pessoa, e por outro lado, o exercício da educação deve ser um encontro, uma experiência de communio, de verdadeira comunicação, para que se cumpra realmente a meta educacional.
O campo da “Comunicação e Educação” se apresenta, nesse sentido, como um novo âmbito do saber, uma linha recente de investigação e ação que muitos pensadores e profissionais vêm desenvolvendo como um verdadeiro propulsor de espaços significativos e conscientes. É nesse contexto que surgiu há alguns anos o conceito de Educomunicação – termo utilizado de uma maneira mais “oficial” pelos participantes do Fórum Mídia e Educação, realizado em São Paulo, em 1999 – e que se refere a uma área de atuação que aspira criar espaços comunicacionais que buscam a formação de um sujeito crítico, participativo, inserido ativamente na dinâmica do próprio meio social ao qual pertence.
A Educomunicação aplicada ao universo organizacional surge como o meio mais adequado para fazer das empresas ecossistemas comunicativos, âmbitos de participação e de aprendizagem que permitam às pessoas que os compõem, a possibilidade de auto-realização como seres chamados a uma vida significativa. Trata-se, portanto, de uma ação ética de comunicação, dirigida às pessoas e organizações, e que busca desenvolver ambientes de crescimento e consciência, no qual cada indivíduo passa a ser um agente ativo e responsável de um projeto comum.
Essa aplicação se dá por meio da promoção de uma linguagem verdadeira, que descobre a “beleza” do real, do existente (a “beleza” do mundo, da empresa e seus valores, de cada sujeito com suas capacidades etc.), e ao mesmo tempo cria, constrói mundos significativos, realidades coletivas que são a materialização de uma nova história, de um momento organizacional mais humano, de excelência, que leva as pessoas e a organização a serem o melhor que podem ser.
Alguns dos principais campos de ação da Educomunicação Empresarial são:
- A (re)afirmação ou (re)construção de uma identidade corporativa sólida: não se pode pensar em formar um espaço significativo sem uma clareza do que é a organização, qual a sua essência e identidade, quais seus valores e fundamentos, qual sua missão e visão. Esses elementos de identidade devem ser “re-lidos/re-definidos” com a participação dos membros da empresa, para que sejam frutos de seu pensar e agir e, portanto, tenham sentido.
- Formação e educação para os colaboradores, que englobe temas básicos para o desenvolvimento humano e social, tais como: inteligência emocional, liderança, comunicação, ética, entre outros. Esses temas devem ser oferecidos de maneira participativa, implicando os profissionais na vida diária da organização, a partir de aplicações práticas das reflexões feitas e dos temas dialogados.
- Busca da integração entre indivíduo e organização, através de unidades educativas, meios de comunicação e tecnologia da informação, processos e práticas organizacionais que levem a tal alinhamento. O campo de intercessão entre o significado individual e organizacional é o que gera motivação e engajamento.
- Desenvolvimento de um Cosmos Comunicacional, que busque formar os colaboradores como pensadores e arquitetos dos meios de comunicação e das tecnologias da informação, a partir de um melhor conhecimento e leitura de tais instrumentos. Tal capacitação impulsionará os colaboradores a desenharem e aplicarem iniciativas que conectam a comunicação e educação para a evolução da organização.
A abordagem educomunicacional na empresa deve buscar que as iniciativas e ações sejam coerentes e caminhem na mesma linha do que aquela vive cotidianamente, do contrário poderia surgir uma “esquizofrenia” provocada pelo desencontro entre o projeto desenhado/aplicado, e a realidade prática, diária, da organização.
O campo da Educomunicação traz a figura de um novo profissional, o Educomunicador, que deve ser o coordenador das iniciativas e programas propostos, trabalhando em conjunto com profissionais de outras áreas e buscando um enfoque multidisciplinar, condição necessária para que aconteça o ambiente de aprendizagem e gestão do conhecimento que se busca. Este profissional pode ser um consultor externo que trabalhe junto a uma equipe da empresa durante a intervenção proposta, ou um colaborador da própria organização capacitado para realizar tal ação em colaboração com outros colegas.
A oportunidade histórica de reinventar a Empresa
Não há dúvidas que o século XXI é o momento histórico de resgatar o sentido do trabalho humano, unindo âmbitos que por muito tempo estiveram separados pela “ruptura” positivista: o campo significtivo e ético da realização pessoal, e o campo pragmático dos “resultados”, do crescimento econômico e da “eficiência” organizacional.
Nessa “re-união” destes dois âmbitos, uma Comunicação Empresarial comprometida com a Educação das pessoas e com a aprendizagem da organização é o elemento chave para resgatar esse sentido, esquecido pela obsessão economicista e racionalista que prevaleceu por tanto tempo no universo organizacional.
A Educomunicação Empresarial torna-se um campo estratégico que deve ser investigado e aprofundado como um caminho de excelência para propiciar consciência e evolução às organizações. Essa é a via ideal para recuperar a alegria perdida nos números e nas metas, nos processos e sistemas “eficientes” que por tanto tempo ofuscaram o homem no drama da dinâmica organizacional. Esse é o melhor meio para livrar-nos de um pragmatismo às vezes exagerado e frio, que nos torna seres “vermelhos quase roxos” que “só sabem somar”, “homens sérios” que “nunca viram uma estrela ou cheiraram uma flor”, que “nunca amaram alguém”, verdadeiros “cogumelos ambulantes”, nostálgicos de uma humanidade que gostaríamos de resgatar.
Essa é a oportunidade histórica de desenvolver um novo tipo de comunicação, que nos ajude a converter-nos em homens éticos e responsáveis, seres humanos que encontram sentido no que fazem, e que se descobrem como construtores de uma sociedade melhor. Esse necessário passo é o impulso vital que converterá a empresa em um ambiente participativo e criativo que, na medida em que seja autenticamente humano, experimentará também o doce sabor da rentabilidade e prosperidade, fruto de um projeto vivido e realizado com consciência e motivação.
Eis aqui um momento que deve ser aproveitado por todos os profissionais envolvidos com a empresa, com a comunicação e a educação, e que sonham com uma era mais humana e verdadeira. Se desperdiçarmos esta oportunidade, só nos restará esperar a volta do Pequeno Príncipe em seu cometa ambulante para dar-nos consultoria empresarial.
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