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A PERIGOSA ARMADILHA DO ESG

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Modas pegam por diferentes motivos ou causas. Não tem um manual para isso. Por vezes viralizam porque um formador de opinião (hoje temos os “influencers”) declara algo. Outras vezes se espalham porque grupos com poder financeiro investem em uma ideia. E isso foi o que aconteceu com o fenômeno ESG (Environmental, Social, Governance).

Há décadas eu já me empolgava com a Responsabilidade Social Corporativa (a avó do ESG), que é a mesma coisa, mas que não chegou a deslanchar como esperaríamos. Mais recentemente me entusiasmei com o conceito/movimento “Capitalismo Consciente”, que ainda contribui para a evolução gradual de uma economia mais ética, inclusiva, sustentável. Mas foi o ESG que virou moda da noite para o dia. Todo mundo é, todo mundo faz, todo mundo fala do tema. E isso porque o dinheiro resolveu entrar no jogo. Grandes grupos financeiros começaram a atrelar aportes de investimento ao cumprimento ou não da cartilha da sustentabilidade/ética/inclusão social. Podemos pensar que se não fossem os “movimentos” anteriores o fenômeno ESG não aconteceria, pode ser; é o caminho de uma natural evolução. A notícia então é boa, sem dúvida. 

Mas há uma armadilha nessa natural evolução. Quando todos perseguem ou precisam de uma sigla para “operar”, para “estar no jogo”, a sigla começa a virar o “fim” em si mesma. É quase um passaporte para minimamente existir. E aí surge o perigo de muitas empresas usarem a sigla como um invólucro, uma maquiagem, uma aparência de algo que não corresponde à realidade. Essa foi a grande batalha de Sócrates com os Sofistas há 25 séculos. Ele ficava muito frustrado em ver aqueles profissionais da linguagem usando as palavras de forma arbitraria e manipuladora para alcançar os objetivos que queriam, não importando se o declarado correspondia à verdade. Para os Sofistas a “verdade” não era relevante, o importante era o que podia ser dito como meio de sensibilização e convencimento de outros. Acho que Sócrates perdeu a batalha. Olhando para nossa história mais recente (dois últimos séculos) não tenho dúvida de que os Sofistas prosperaram. 

Vejo grandes corporações com práticas recentes duvidosas no que se refere a esta onipresente sigla. Empresas que causaram acidentes naturais devastadores, ou que estiveram envolvidas em grandes escândalos recentes de corrupção, ou mesmo que foram vitrines de casos assustadores de racismo, agora viram promotoras do ESG, gastando milhões em propaganda para declarar ao mundo que, finalmente, acordaram. Minha experiência como consultor atuando há anos no universo organizacional é que uma empresa não muda pela declaração formal, mas por uma genuína transformação de sua Cultura que seja capaz de levá-la a novas estruturas, práticas etc. Quando olho para muitas dessas empresas que tagarelam ESG da noite para o dia, me acende o alarme ao ver que suas estruturas mais internas ainda não mudaram, porque os grupos de controle ainda são os mesmos, como são os mesmos os líderes formais de seus organogramas. Espero estar muito errado a respeito delas…a verificar. 

Mas não quero perder meu tempo com as “empresas sofistas” que sempre existirão em algum grau. Até porque acredito que estes casos serão cada vez menos viáveis na era da hiper conexão das redes sociais. Ficou mais difícil mentir por muito tempo. Sim, as fake news prosperam, mas como mentira tem perna curta, essas lorotas são pouco longevas. Parece que a autenticidade vai surgindo como o principal “ativo” ou diferencial de uma empresa. E isso me motiva muito! Pode ser a vingança de Sócrates, 25 séculos depois. Quero trabalhar para as empresas que acreditam na verdade como único caminho possível para sua existência e atuação. Não só porque é mais “rentável”, mas porque é mais ético, mais humano, mais necessário. Se trata, na verdade, de uma verdadeira conversão interior (o caminho filosófico que Platão tanto insistiu, sensibilizado pelo seu mestre Sócrates), e não um papinho de quem não quer ficar fora do jogo.  E o mercado está aprendendo a ver a diferença entre ambos, ainda bem!

Quando uma empresa decidir viver nas suas vísceras a beleza da sustentabilidade e compromisso com o planeta, a ética de práticas humanas que buscam o bem comum, a inclusão e compromisso social, a cultura participativa e igualitária, ela não precisará mais da sigla ESG para cacarejar e seduzir o mundo de que ela é boazinha. Ela simplesmente será uma empresa consciente, autêntica, contemporânea. A sigla então deixará de ser invólucro ou chamariz, para ser descrição ou uma espécie de “explicação” racional do que a empresa faz. O externo passa a existir em função do interno em vez de ser maquiagem deste. 

Essa é minha bandeira: provocar nas organizações o triunfo do movimento filosófico da Sabedoria, a saída da caverna que Platão em um momento de rara inspiração descreveu em sua atemporal parábola. E para isso o movimento é de dentro para fora, não o contrário. É a Cultura que deve começar a ser trabalhada – as mentes e corações das pessoas que fazem a empresa – e depois sim, a estrutura, estratégia, marca, as siglas. Começar utilizando o avatar como  fim em si mesmo é escolher ficar dentro da caverna vendo as sombras como se fossem a realidade. 

Minha esperança (e propósito) é que um dia possamos superar o ESG como centro de gravidade que transita em torno de si mesmo. Quero contribuir para que um dia não olhemos mais para esta sigla com a obsessão que fazemos hoje, e que nos comprometamos com o coração e urgência a viver a beleza do seu significado e essência. 

Aí sim teremos virado a chave, e a Sabedoria tão amada pelos gregos terá enfim triunfado. 

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